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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Omissão do Fisco causa incerteza sobre ágio

Contabilidade: Companhias esperam esclarecimento da Receita sobre eventual impacto tributário de novas regras.

Por Fernando Torres - 29/12/2010

Caso o "Diário Oficial da União" desta semana não venha recheado de novidades, as companhias abertas vão completar o terceiro ano sem que haja um esclarecimento formal por parte da Receita Federal sobre como proceder em relação a pelo menos dois pontos relevantes que foram alterados com a adoção das novas normas de contabilidade, que entram em vigor plenamente a partir do exercício social de 2010. Um dos temas polêmicos tem relação com as taxas de depreciação dos bens do ativo imobilizado, como imóveis, máquinas e equipamentos, e o outro está ligado ao cálculo do valor do ágio em aquisições.

Em tese, o Regime Tributário de Transição (RTT), instituído pela Lei 11.941, garante a neutralidade tributária das mudanças contábeis que estão ocorrendo. No entanto, consultorias de peso, como PricewaterhouseCoopers (PwC) e Deloitte, ainda têm entendimentos diferente sobre esses dois pontos. E isso reflete o que está ocorrendo na prática. As empresas vêm usando critérios distintos para fazer os ajustes entre o balanço societário e o fiscal.

A concordância está na necessidade de o Fisco esclarecer oficialmente como tratar as questões. Procurada, a Receita Federal não se manifestou.

Enquanto a PwC acredita que, se o tema já era regulado por regra fiscal até o fim de 2007, prevalece o entendimento antigo mesmo que a norma contábil o trate de forma distinta, a Deloitte avalia que, nesses dois pontos específicos, isso não é verdade.

A explicação da Deloitte tem a ver com o fato de a legislação tributária já falar, mesmo antes das mudanças contábeis, nos mesmos critérios que precisam ser usados à luz das novas normas de contabilidade, que seguem o padrão internacional IFRS.

No caso da depreciação dos bens do ativo imobilizado, como imóveis, máquinas e equipamentos, a regra fiscal já determinava que fosse levado em conta o critério da vida útil e pedia que ele fosse embasado em estudo técnico. Como opção, no entanto, a Receita dizia que, se as empresas não tivessem esse estudo, poderiam usar a tabela fornecida por ela.

Na prática, no entanto, a maior parte das empresas usava a tabela. Nessa, um veículo passa a valer zero após cinco anos, prédios duram vinte anos e máquinas e equipamentos, entre cinco e dez anos.

A regra contábil também exige que as empresas façam a depreciação com base na vida útil e, assim como o Fisco, pede que sejam feitos estudos técnicos para justificar as taxas usadas.

"Nossa interpretação é que, caso o novo prazo de depreciação tenha fundamento em estudo ou análise do prazo efetivo de vida útil, isso não gera ajuste de RTT. Porque a própria legislação (tributária) já define que os bens deverão ser depreciados no prazo real de vida útil", diz José de Carvalho Júnior, sócio da área de consultoria tributária da Deloitte, admitindo, no entanto, que ainda existe alguma controvérsia no mercado.

Já Sérgio Bento, sócio da área tributária da PwC, entende que, como ainda existe oficialmente a tabela da Receita, a empresa que mudar a taxa de depreciação do ativo imobilizado no balanço contábil pode sim fazer ajuste no RTT, a fim de continuar pagando imposto como se não tivesse havido mudança. Caso contrário, uma depreciação mais lenta causaria aumento do imposto a pagar e vice-versa.

Outro ponto de discussão, um pouco mais complexo, tem a ver com o cálculo do ágio em incorporações de empresas adquiridas. O ágio é a diferença entre o valor pago em uma operação e o patrimônio líquido contábil.

A regra tributária brasileira diz que esse valor pago a mais pode ter como fundamento econômico os ativos intangíveis - como marcas ou carteira de clientes - não registrados no balanço da empresa adquirida, a mais valia de ativos dela e a expectativa de resultados de exercício futuros, que a contabilidade chama de "goodwill" (bom futuro).

Somente a parcela fundamentada em expectativa de lucros futuros pode ser amortizada para fins fiscais, reduzindo o lucro tributável. O que as empresas passaram a fazer, na sua maioria, foi dizer que todo o ágio tinha como motivação o "goodwill".

Isso não causava conflito com a norma contábil brasileira pelo menos até 2007. Com a edição da Lei 11.638, o ágio deixou de ser amortizado a partir dos balanços societários de 2009 e seu cálculo ficou diferente.

Pela contabilidade, os ativos e passivos da incorporada passaram a ser trazidos a valor justo no momento da operação (e alocados nas respectivas contas), assim como passou a ser obrigatório identificar e atribuir valor aos ativos intangíveis da empresa adquirida.

Somente o que não puder ser alocado em outras contas do ativo é que fica registrado como "goodwill". Na opinião de Carvalho Júnior, da Deloitte, o ágio contábil por rentabilidade futura deve estar de acordo com o usado para fins fiscais, já que a regra tributária também fala nesta alocação. Como diferença que pode ser ajustada, no entanto, ele cita a diferença entre o passivo a custo e a valor justo, que não é mencionado na regra fiscal atual.

Por outro lado, na opinião de Bento, da PwC, o ágio pode seguir sendo calculado como se fazia antes para fins tributários. Segundo ele, o laudo preparado para usar o benefício fiscal deve estar amparado na motivação do administrador ao comprar determinada empresa. Assim, se o preço da aquisição teve como razão o fluxo de caixa descontado, é razoável dizer que o fundamento econômico do ágio é a expectativa de rentabilidade futura. "Já para a contabilidade não interessa o motivo. A alocação de ativos e passivos é obrigatória e o que sobrar é o goodwill", afirma. "Não são dois laudos, são laudos com propósitos diferentes."

Segundo o advogado Sérgio Presta, do escritório Azevedo Rios, Camargo, Seragini & Presta Advogados, não há problema em usar o benefício fiscal da amortização do ágio, contanto que a expectativa de rentabilidade futura esteja bem fundamentada por um laudo. "Não dá para se basear apenas numa planilha de Excel", diz o especialista. "E se alguém comprar a Coca-Cola, por exemplo, também não há como dizer que a marca não tem nenhum valor", acrescenta.

Segundo Luciano Nutti, consultor tributário da ASPR ConsultoriaEmpresarial, ainda que possa haver uma interpretação diferente de autoridades fiscais, existem bons argumentos de defesa para se calcular o ágio da mesma forma que se fazia até 2007. "A figura do RTT foi criada para neutralizar todos os impactos contábeis da Lei 11.638, e isso (a questão do cálculo do ágio) também entra nessa linha", afirma Nutt.
Fonte: Valor Econômico

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