Agora é para valer. A partir de 2011, todas as sociedades anônimas brasileiras passarão a divulgar balanços conforme as normas internacionais de contabilidade — o International Financial Reporting Standards (IFRS, na sigla em inglês). E é bom os CFOs, diretores de relações com investidores (RI) e controllers estarem preparados para responder às dúvidas que muito provavelmente vão surgir. Trata-se de uma mudança profunda, que significa não apenas um novo conceito de contabilidade, mas também números diferentes nos balanços das companhias.
A começar pelas contas de ativo imobilizado. No Brasil, assim como nos demais países que incorporaram o IFRS, será adotado o “deemed cost”, uma espécie de reavaliação dos ativos imobilizados, de seu tempo de vida útil e sua depreciação, que pode ser realizada uma única vez. Isso significa que empresas que identificarem bens com potencial de geração de caixa relevante registrados contabilmente por valores substancialmente diferentes, sejam eles superiores ou inferiores, terão de adequá-los ao valor justo na primeira demonstração elaborada de acordo com o IFRS. “Vi casos em que essa reavaliação inicial elevou em cerca de R$ 100 milhões o ativo imobilizado de uma companhia”, afirma um auditor que preferiu não se identificar.
Na Europa, berço das normas internacionais, o deemed cost não foi largamente utilizado, uma vez que os ativos imobilizados já estavam mais próximos do valor justo. Mas a expectativa é de que, no Brasil, ele seja muito mais necessário. “Há companhias que continuam gerando caixa com ativos contabilizados por um valor muito baixo ou até mesmo igual a zero, o que não representa, economicamente, a realidade do bem”, diz Paul Sutcliffe, sócio líder da área de IFRS da Ernst & Young Terco.
As reavaliações poderão favorecer os acionistas. Segundo o IFRS, a depreciação deve ser baseada na vida útil real estimada para o bem, ao contrário do modelo anterior vigente no Brasil, em que as empresas usavam os prazos de depreciação indicados pela Receita Federal, independentemente de eles serem compatíveis ou não com a realidade. Agora, é possível que muitas delas estendam os prazos de vida útil dos seus imobilizados e, dessa forma, reduzam os valores anuais de depreciação, aumentando a base de cálculo de dividendos e o patrimônio da companhia — sem qualquer desembolso de caixa.
Para justificar tantas mudanças, as companhias têm recorrido, espontaneamente, a avaliadores externos, conta Bruce Mescher, sócio da Deloitte. Na CPCONT, especializada em avaliação patrimonial, a demanda por laudos, decorrente da nova contabilidade, cresceu 40% neste ano. A empresa criou, inclusive, uma área de gestão econômica e estratégica, ampliando a equipe em 30%. A procura tem sido crescente, segundo Rafael Junqueira, diretor comercial da consultoria. O principal interesse das companhias é obter garantias para justificar eventuais diferenças. “Algumas avaliações captaram uma realidade econômica distinta daquela que era contabilizada e, agora, isso aparecerá nos balanços”, diz Nilton Belz, que coordena a área de gestão econômica.
ESTRATÉGIAS REVELADAS — Informações novas sobre as companhias também virão da conta de ativo intangível, que foi introduzida pelo padrão internacional. Para os investidores, esse conteúdo pode trazer uma nova perspectiva do negócio. Como o ágio de uma aquisição deixa de ser a simples diferença entre o valor patrimonial e o preço efetivamente pago para se tornar o excedente em relação ao valor econômico, fica muito mais fácil avaliar a importância estratégica de cada operação.
A separação dos ativos intangíveis em uma rubrica também promete trazer informações sobre a visão da administração. Um exemplo é a situação de compra de um concorrente. Pelas novas regras, os ativos intangíveis adquiridos, como marcas e patentes, passam a ser registrados no ativo não circulante da compradora (a exceção fica por conta dos intangíveis gerados internamente). No entanto, caso a compra tenha como objetivo fortalecer a marca própria, anulando a da concorrente, esse ativo não poderá permanecer registrado como bem intangível. “Será preciso dar baixa no intangível ao longo do próprio exercício, o que impacta o resultado do período”, esclarece Ivan Clark, sócio da PwC.
DE CARA NOVA — Rubricas simples e velhas conhecidas do mercado, como o lucro por ação, também não escapam da nova roupagem trazida pelo IFRS. Até então, bastava dividir o lucro líquido do exercício pelo número de ações em circulação, descontados os papéis em tesouraria, para se chegar ao valor do lucro por ação. Agora, as companhias deverão apresentar o “lucro por ação básico”, que será o resultado da divisão do lucro líquido pela média ponderada das ações ao longo do exercício. Isso significa que empresas que emitiram ou cancelaram ações ao longo do ano deverão levar em conta essas alterações.
O “lucro por ação diluído” é outra novidade. Calculado a partir do lucro líquido dividido pela média ponderada de todas as ações emitidas somadas às que têm potencial de exercício (aquelas geradas por planos de stock options e debêntures conversíveis em ações), esse múltiplo merece um cuidado especial das companhias. “Algumas empresas europeias erraram o cálculo ao apresentar os dados à SEC e foram obrigadas a reapresentá-los”, lembra Clark. A dificuldade se concentra nas companhias que desdobraram ações ou realizaram fusões. “É necessário ainda apresentar o cálculo retroativo para o período anterior, base da comparação”, enfatiza o auditor.
ATRASADOS — Nos balanços das concessionárias de energia elétrica, os ativos cedidos pelo governo para a exploração do serviço (como linhas de transmissão de energia) deixarão de ser registrados no ativo imobilizado e passarão a ser classificados como ativos financeiros ou intangíveis. A alteração visa a refletir o fato de que o ativo-base de uma concessão não pertence à companhia exploradora, apesar de ela usufruir integralmente o bem e ainda ter uma receita previsível com ele, por exemplo, através da cobrança de tarifas mínimas. No entanto, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não aprovou a nova interpretação da CVM, o ICPC 01, é provável que os primeiros balanços em IFRS ainda apresentem esses ativos registrados como imobilizados.
Desde a promulgação da Lei 11.638/07, que criou as bases para a adoção integral do IFRS, as concessionárias de energia elétrica não podem mais fazer a reavaliação desses ativos. Mas, como a reavaliação é necessária para calcular tarifas e indenizações, as concessionárias vão passar a entregar um balanço diferente para a Aneel, no qual adotarão essa prática. Segundo o diretor da agência Romeu Donizete Rufino, o balanço regulatório será exigido a partir do exercício 2011.
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