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sábado, 24 de julho de 2010

Assimetrias da discórdia

Por Eduardo Varela
eduardo_gfilho@hotmail.com


Muito se tem discutido sobre a harmonização das práticas e normas contábeis mundiais, gerando debates extensos entre os usuários das informações financeiras, como acionistas, investidores e entidades governamentais. Os principais órgãos responsáveis pela edição dos normativos contábeis (IASB e FASB) ainda permanecem em um duelo que parece não ter fim, objetivando a consolidação das normas em um único padrão.

A principal justificativa para a uniformização das práticas contábeis é a diminuição das falhas de comparabilidade existentes na análise entre relatórios financeiros confeccionados com embasamento em normativos distintos. Muitas vezes o resultado apurado em uma demonstração de padrão IFRS, torna-se diferente se apurado no padrão US GAAP ou BR GAAP. Estes padrões, em alguns casos, não possuem abordagens semelhantes de reconhecimento, mensuração e evidenciação dos fatos contábeis.

A problemática da comparabilidade caracteriza-se como uma das principais falhas de mercado: a assimetria informacional. Renato Ottoni Barbosa, em seu trabalho sobre os impactos da assimetria informacional no mercado bancário, afirma que o conceito básico de informação assimétrica e imperfeita, segundo os pensadores econômicos Arkelof, Varian e Eaton, é de que, em alguns mercados, os compradores e vendedores ou prestadores de serviços não conseguem ter o acesso às mesmas informações, seja pelo seu alto custo de obtenção ou pela total impossibilidade de observar o grau de honestidade de algum participante. As conseqüências deste fenômeno vão desde a incorreta definição de preços das operações no mercado devido ao aumento do risco de uma das partes (risco moral), até a total inviabilidade deste mercado (devido ao processo de seleção adversa).

Nesse ponto há de se concordar com o movimento de harmonização contábil, uma vez que informações obtidas através da utilização de um só critério de reconhecimento e mensuração são plenamente comparáveis, “não tão assimétricas” e poderão servir de ferramentas para a tomada de decisão dos investidores e acionistas.

O leitor deste artigo pode estar se perguntando – por que informações“não tão assimétricas”? A resposta para essa pergunta é que a assimetria deve ser considerada nos planos macro e microeconômicos, e a primeira parte deste texto só tratou sobre o a visão macro.

A visão microeconômica da assimetria informacional presente nos relatórios financeiros é identificada na forma pela qual são escolhidos os parâmetros de valoração dos bens tangíveis e intangíveis. A harmonização contábil estabelecerá um só método de reconhecimento e mensuração, porém os dados utilizados no reconhecimento e mensuração dos ativos são quantificados a critério da companhia.

Citemos um exemplo para clarear a situação acima: o padrão IFRS, reconhecido como padrão-base das normas internacionais de contabilidade, estabelece que os itens do imobilizado devem passar por um teste de impairment sempre houver a indicação de desvalorização do valor recuperável em relação ao valor registrado contabilmente. O valor recuperável é o maior entre o valor em uso e o valor líquido de venda. No caso da utilização do valor em uso, o valor recuperável seria medido através da estimativa de fluxos futuros de caixa descontados a valor presente, derivados do uso de determinado ativo ou unidade geradora de caixa. Como já explicitado no neste blog, o laudo do cálculo do valor em uso deve ser feito com uma técnica apurada e com extrema imparcialidade, utilizando projeções de fluxos de caixa e taxa de desconto aceitáveis. Estes dois dados (fluxos de caixa e taxa de desconto) são itens calculados com certo grau de subjetivismo por parte do avaliador, o que torna a mensuração passível a uma falha de assimetria informacional.

Com o exemplo acima, mostramos que as informações embasadas em uma norma uniforme de contabilidade, podem, mesmo assim, ser “não tão assimétricas”, havendo uma discórdia entre estas.

As mudanças nas normas contábeis trazem consigo uma série de conseqüências, como por exemplo: estudo apurado da teoria contábil, maior estabelecimento dos princípios éticos, desenvolvimento do ensino de técnicas de avaliação de ativos até então pouco usuais e maior capacitação do corpo técnico contábil, onde se incluem os diretores financeiros, controllers, peritos, analistas, entre outros.

A contabilidade está empregando cada vez mais a valoração a valor justo, ou valor de mercado, e isto pode se tornar “perigoso” para o disclosure contábil. Sabemos que o mercado funciona de forma instável e volátil, sensível a qualquer informação de impacto emitida pelas empresas ou pelo governo. A manipulação de resultados financeiros, através da utilização de técnicas de valuation complexas e subjetivas, pode alterar substancialmente o valor de uma companhia para o mercado. A história nos dá prova disso. Não precisamos ir muito longe para lembramos do caso da Enron, em que os executivos financeiros maquiavam os dados contábeis da empresa (com a cumplicidade de sua auditoria externa) objetivando a supervalorização de seu valor de mercado e causando, posteriormente, um grande problema à economia americana e global. Outra situação emblemática foi a descoberta das reservas de pré-sal pela Petrobras, aquecendo o setor de petróleo e gás e, consequentemente, os índices que indexam este setor.

Podemos perceber que a mensuração a valor justo tem características íntimas de curto prazo e pode resultar em valorizações fantasiosas caso seja feita de forma errônea e imprudente. Mais uma vez, ressalto que a qualificação técnica e o desenvolvimento ético dos profissionais contábeis e dos demais profissionais financeiros é de importância fundamental para a correta aplicação dos novos procedimentos contábeis.

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