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sexta-feira, 20 de abril de 2012

A tributação coerciva brasileira

Olá Blobabilistas!

Recentemente, três específicas ingerências públicas notadamente normativas reforçaram-nos um já crescente sentimento pessoal de irresignação jurídica. Todas, ao estilo de uma mentalidade estadista que parece não querer se dissociar das históricas entranhas nacionais de um autoritarismo já sepultado.

Nossa primeira aflição decorrera do atual bloqueio de emissão de nota fiscal eletrônica por prestadores de Serviços em débito com a municipalidade paulistana em face do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a teor do quanto disposto na Instrução Normativa nº 19/11, da Subsecretaria da Receita Municipal (Surem), enquanto órgão integrante da estrutura básica da Secretaria Municipal de Finanças.

Igualmente, também nos chamaram a atenção as inovações introduzidas pelas Fazendas estaduais paulista e pernambucana, por conta, respectivamente, do comunicado CAT nº 5/12 e do Decreto nº 37.832, de 2012.

Com efeito, a Fazenda paulista também fez nascer um mecanismo de bloqueio de emissão de Nota Fiscal Eletrônica, agora, porém, sempre que dado comprador de mercadoria seja contribuinte do ICMS e esteja em situação irregular no seu Cadastro de Contribuintes.

Já quanto ao Estado nordestino, restou estabelecida a impossibilidade das empresas usineiras de açúcar e álcool, inadimplentes com seus fornecedores, utilizarem-se de créditos presumidos referentes ao ICMS.

Ou seja, mesmo diante de um momento historicamente alheio ao velho arquétipo conceitual do poder absoluto, a manifestação deste, por aqui, parece ainda pulsar, mormente quando a vontade da lei (do povo) vem a ceder forçosamente espaço à do soberano ou, quando "o príncipe está isento da lei e o que apraz ao príncipe vigora como lei" (Absolutismo. Características e Principais Teóricos. Vitor Amorim de Angelo. www.educacao.uol.com.br/historia/absolutismo-caracteristicas-e-principais-teoricos.jhtm).

Não foram essas, contudo, as intenções proclamadas por nosso Poder Constituinte Originário quando da promulgação da atual Carta do Povo. Como é sabido, ao apresentar este mais solene documento jurídico nacional, vem o seu Preâmbulo assim fazê-lo sob uma rígida estrutura jus-política de República Federativa assentada na prerrogativa de constituição de um Estado Democrático de Direito, capaz de assegurar o exercício, dentre outros, à igualdade e à liberdade, como valores supremos de uma Sociedade fraterna e socialmente harmoniosa.

Nossa primeira aflição decorre do atual bloqueio de emissão de nota fiscal

Esses sentidos axiológico e institucional de República, enquanto tipo de governo do povo (res publica) foram sensivelmente percebidos por Roque Antonio Carrazza para quem "numa República, o Estado, longe de ser o senhor dos cidadãos, é o protetor supremo de seus interesses materiais e morais. Sua existência não representa um Risco para as pessoas, mas um verdadeiro penhor de suas liberdades" (Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª ed. rev. amp. e at. até a EC 67/10. São Paulo: Malheiros, 2011, p.67).

Assim sendo, as confiadas e correlatas interferências republicanas no campo tributário, diretas ou primárias, em face da aplicação da igualdade e, indiretas ou secundárias, no que toca à efetivação do valor liberdade, bem justificam nossas presentes preocupações.

Ao nos voltarmos, portanto, às precitadas normas tributárias instituídas pelo município paulistano e pelos Estados de São Paulo e Pernambuco, sentimo-nos seguros em crer ter ocorrido violação indireta ao atual espírito republicano nacional, sobretudo por conta da instabilidade jurídica então deflagrada em face da liberdade de seus respectivos contribuintes, representada sob as formas: de liberdade incondicional do exercício de atividades econômica e profissional - expurgada qualquer forma de seu cerceamento, sob quaisquer grau, extensão e modalidade, salvo nos casos legais (art.170, p.ú., CF) - e de garantia de sujeição aos meios processuais assecuratórios legais e diretos do crédito tributário como condição de seu recebimento, repugnadas quaisquer formas coercitivas oblíquas e camufladas de sua cobrança (art. 5º, LV, CF). Por fim, a certeza de não desfiguração das situações legais atinentes à suspensão da exigibilidade tributária (arts.150, I, CF Código Civil art.151, CTN) que estivesse a afastar qualquer recolhimento repressivo imediato.

Sem a confiança na efetividade e na eficiência de nossa plataforma republicana tal como elevada ao status de atual tipo de governo da nação, permaneceremos, ao que nos parece, ciclicamente vulneráveis, por certo, a típicas manifestações ditatoriais de gestão da coisa pública, então concentrada, de alguma forma, nas mãos de seu soberano, ainda muito bem representado pela imaginária e temida figura, suprema, do Leviatã, monstro mitológico simbolicamente inserido por Thomas Hobbes em sua doutrina secular (contrato social), pró-autoritarismo, enquanto única e necessária condição de ser do próprio Estado.

Vale lembrar, já encerrando, por aqui, nossas ponderações, que a instituição da atual República brasileira (da nova ordem) significou, justamente, uma forma de se apagar os rastros do infeliz modelo ditatorial que a precedia, especialmente, por conta da aquisição de uma maior dose de confiança na independência e na estabilidade de nossos órgãos jurisdicionais, máxime do Supremo Tribunal Federal (STF), guardião maior que é da atual Carta Política, onde devemos continuar depositando todas as nossas derradeiras crenças em face de uma pronta extirpação de quaisquer ameaças, diretas, à igualdade e, indiretas, à liberdade constitucionais, legitimando-nos, somente assim, a uma autoproclamação segura de nossa condição indelével de partícipes de uma República Federativa do Brasil.

Walter Alexandre Bussamara mestre em direito tributário pela PUC-SP e advogado em São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico

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