Auditar vem do latim audire, que significa ouvir. Já o dicionário Houaiss explica que auditar é o “exame comprobatório relativo às atividades contábeis e financeiras de uma empresa”, que deve ser feito tanto com base em números como em uma verdadeira investigação sobre a realidade da companhia em questão. No caso da Deloitte, cuja sede fica em Londres, tanto a escuta quanto a investigação estão sendo contestadas. Neste ano, a consultoria teve seu nome envolvido em três escandalosos problemas contábeis: Carrefour, Panamericano e Brasil Telecom.
Os dois primeiros casos estão frescos na memória, pois vieram à tona nos últimos dois meses e representam perdas totais próximas de 4 bilhões de reais para as companhias. Já o terceiro caso, menos difundido, cavou um buraco de cerca de 1,45 bilhão de reais no balanço de 2009 da Brasil Telecom – e os acionistas tiveram de arcar com o passivo. Sobre esse fato, a Deloitte jamais se pronunciou – e justamente ele deu início ao inferno astral que paira sobre a empresa em 2010.
Provisão mal feita – No caso da Brasil Telecom, os problemas transcorreram de forma discreta. Por meio de fato relevante, a operadora informou aos acionistas que teria de fazer uma provisão adicional de 1,45 bilhão de reais para o pagamento de dívidas judiciais. Tais débitos corriam em função do aumento de capital relacionado ao plano de expansão da companhia no início dos anos 1990.
Provisionar perdas com dívidas judiciais é fato comum nas empresas. De acordo com as normas contábeis, devem ser provisionadas no balanço as perdas prováveis – que se referem às ações que, provavelmente, a empresa perderá. Já as possíveis podem não acontecer e devem ser apenas mencionadas em notas explicativas. Por fim, as perdas remotas não precisam ser discriminadas. Quando, em 2009, a fusão entre Oi e Brasil Telecom foi aprovada e a integração contábil começou, instantaneamente muitos dos passivos avaliados como possíveis transformaram-se em prováveis, gerando a provisão bilionária.
A Deloitte, que auditava a empresa desde 2007, não verificou os problemas. Desta forma, a auditoria BDO foi chamada a levantar quais eram, exatamente, as perdas. “Houve o erro no reconhecimento das ações judiciais já transitadas em julgado, e que deveriam constar como despesas, mas que não estavam sequer provisionadas”, afirma uma fonte ligada à Brasil Telecom.
Explicação à francesa – O varejista francês Carrefour, que anunciou perdas de 1,23 bilhão de reais no Brasil no último dia 30, também terá de explicar a seus acionistas o que, de fato, aconteceu. O peculiar mercado varejista brasileiro permite que as redes recebam descontos de seus fornecedores na compra de produtos – o que no jargão do varejo leva o nome de ‘verba promocional’ ou ‘bonificação’. Tais quantias não estavam sendo discriminadas de forma correta nos demonstrativos financeiros há cerca de cinco anos, gerando parte do rombo.
O site de VEJA apurou que outra parte do passivo pode estar relacionada a problemas com a provisão de despesas judiciais, tal como no caso da Brasil Telecom. A KPMG, que assumiu a auditoria da rede no último trimestre, teria colocado as despesas possíveis e remotas contidas nos demonstrativos elaborados pela Deloitte como provisão de despesas prováveis. Desta forma, se o Carrefour vencer as ações judiciais em questão, talvez, no próximo ano, o que era rombo poderá se transformar em caixa.
Em comunicado, a auditoria se exime de qualquer culpa. “Esses ajustes foram definidos pela administração da matriz do Grupo Carrefour e não foram submetidos à auditoria da Deloitte no Brasil. Portanto, não temos como nos posicionar a respeito e entendemos que estes em nada modificam as demonstrações financeiras de anos anteriores, auditadas pela Deloitte”, afirma o documento. Os ajustes, de fato, foram levantados neste trimestre por outra auditoria. No entanto, a Deloitte não quis explicar como não reparou nos problemas contidos nos demonstrativos. O grupo Carrefour trabalha em auditoria conjunta com as duas empresas – tanto na matriz como em todas as filiais. Em 2009, pagou 5,7 milhões de euros à Deloitte e 6,1 milhões de euros à KPMG para realizarem seus trabalhos.
Baú de surpresas – Vale ressaltar que, no caso do banco Panamericano, os problemas contábeis eram mais graves e geraram rombo maior – de 2,5 bilhões de reais (até o momento), além de colocarem em xeque a eficácia da elogiada regulação do sistema financeiro nacional. Apesar de não ter percebido as inconsistências nas carteiras de crédito, na provisão em relação a inadimplentes, e nem as irregularidades das operações com cartões, a Deloitte afirmou em entrevistas à imprensa que não é culpada pelo que ocorreu e que vai ‘restaurar sua reputação’.
O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) não acredita que a imagem das empresas do setor (incluindo a própria Deloitte) será punida pelo mercado. Além disso, garantiu que, tanto em relação ao Panamericano, quanto ao Carrefour, medidas serão tomadas. “Estamos investigando ambos os casos e solicitamos informações para a auditoria para que possamos formar um juízo”, afirma o vice-presidente do conselho, Enory Spinelli.
Enquanto os verdadeiros culpados pelos problemas não forem desmascarados, as atenções se voltarão para os que não perceberam as fraudes, e eram pagos para fazê-lo. A Deloitte é a bola da vez. Suas concorrentes, Ernst&Young, Pricewaterhouse Coopers e KPMG, também já vivenciaram problemas parecidos no Brasil e no mundo. As auditorias costumam entoar em coro que acreditam na idoneidade das empresas no momento em que elas fornecem informações classificadas como verdadeiras. Talvez seja a hora de mudar esse conceito e transformar-se em xerife. Ou então, que se crie um xerife para monitorar as auditorias.
Fonte: Revista Veja
Os dois primeiros casos estão frescos na memória, pois vieram à tona nos últimos dois meses e representam perdas totais próximas de 4 bilhões de reais para as companhias. Já o terceiro caso, menos difundido, cavou um buraco de cerca de 1,45 bilhão de reais no balanço de 2009 da Brasil Telecom – e os acionistas tiveram de arcar com o passivo. Sobre esse fato, a Deloitte jamais se pronunciou – e justamente ele deu início ao inferno astral que paira sobre a empresa em 2010.
Provisão mal feita – No caso da Brasil Telecom, os problemas transcorreram de forma discreta. Por meio de fato relevante, a operadora informou aos acionistas que teria de fazer uma provisão adicional de 1,45 bilhão de reais para o pagamento de dívidas judiciais. Tais débitos corriam em função do aumento de capital relacionado ao plano de expansão da companhia no início dos anos 1990.
Provisionar perdas com dívidas judiciais é fato comum nas empresas. De acordo com as normas contábeis, devem ser provisionadas no balanço as perdas prováveis – que se referem às ações que, provavelmente, a empresa perderá. Já as possíveis podem não acontecer e devem ser apenas mencionadas em notas explicativas. Por fim, as perdas remotas não precisam ser discriminadas. Quando, em 2009, a fusão entre Oi e Brasil Telecom foi aprovada e a integração contábil começou, instantaneamente muitos dos passivos avaliados como possíveis transformaram-se em prováveis, gerando a provisão bilionária.
A Deloitte, que auditava a empresa desde 2007, não verificou os problemas. Desta forma, a auditoria BDO foi chamada a levantar quais eram, exatamente, as perdas. “Houve o erro no reconhecimento das ações judiciais já transitadas em julgado, e que deveriam constar como despesas, mas que não estavam sequer provisionadas”, afirma uma fonte ligada à Brasil Telecom.
Explicação à francesa – O varejista francês Carrefour, que anunciou perdas de 1,23 bilhão de reais no Brasil no último dia 30, também terá de explicar a seus acionistas o que, de fato, aconteceu. O peculiar mercado varejista brasileiro permite que as redes recebam descontos de seus fornecedores na compra de produtos – o que no jargão do varejo leva o nome de ‘verba promocional’ ou ‘bonificação’. Tais quantias não estavam sendo discriminadas de forma correta nos demonstrativos financeiros há cerca de cinco anos, gerando parte do rombo.
O site de VEJA apurou que outra parte do passivo pode estar relacionada a problemas com a provisão de despesas judiciais, tal como no caso da Brasil Telecom. A KPMG, que assumiu a auditoria da rede no último trimestre, teria colocado as despesas possíveis e remotas contidas nos demonstrativos elaborados pela Deloitte como provisão de despesas prováveis. Desta forma, se o Carrefour vencer as ações judiciais em questão, talvez, no próximo ano, o que era rombo poderá se transformar em caixa.
Em comunicado, a auditoria se exime de qualquer culpa. “Esses ajustes foram definidos pela administração da matriz do Grupo Carrefour e não foram submetidos à auditoria da Deloitte no Brasil. Portanto, não temos como nos posicionar a respeito e entendemos que estes em nada modificam as demonstrações financeiras de anos anteriores, auditadas pela Deloitte”, afirma o documento. Os ajustes, de fato, foram levantados neste trimestre por outra auditoria. No entanto, a Deloitte não quis explicar como não reparou nos problemas contidos nos demonstrativos. O grupo Carrefour trabalha em auditoria conjunta com as duas empresas – tanto na matriz como em todas as filiais. Em 2009, pagou 5,7 milhões de euros à Deloitte e 6,1 milhões de euros à KPMG para realizarem seus trabalhos.
Baú de surpresas – Vale ressaltar que, no caso do banco Panamericano, os problemas contábeis eram mais graves e geraram rombo maior – de 2,5 bilhões de reais (até o momento), além de colocarem em xeque a eficácia da elogiada regulação do sistema financeiro nacional. Apesar de não ter percebido as inconsistências nas carteiras de crédito, na provisão em relação a inadimplentes, e nem as irregularidades das operações com cartões, a Deloitte afirmou em entrevistas à imprensa que não é culpada pelo que ocorreu e que vai ‘restaurar sua reputação’.
O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) não acredita que a imagem das empresas do setor (incluindo a própria Deloitte) será punida pelo mercado. Além disso, garantiu que, tanto em relação ao Panamericano, quanto ao Carrefour, medidas serão tomadas. “Estamos investigando ambos os casos e solicitamos informações para a auditoria para que possamos formar um juízo”, afirma o vice-presidente do conselho, Enory Spinelli.
Enquanto os verdadeiros culpados pelos problemas não forem desmascarados, as atenções se voltarão para os que não perceberam as fraudes, e eram pagos para fazê-lo. A Deloitte é a bola da vez. Suas concorrentes, Ernst&Young, Pricewaterhouse Coopers e KPMG, também já vivenciaram problemas parecidos no Brasil e no mundo. As auditorias costumam entoar em coro que acreditam na idoneidade das empresas no momento em que elas fornecem informações classificadas como verdadeiras. Talvez seja a hora de mudar esse conceito e transformar-se em xerife. Ou então, que se crie um xerife para monitorar as auditorias.
Fonte: Revista Veja
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