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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Controle imperfeito de riscos

Os especialistas em governança gostam de um escândalo corporativo. Pode até parecer estranho, mas eles têm motivo para isso. Ao menos é o que indica a pesquisa realizada anualmente pela firma de auditoria e consultoria KPMG e pelo Centro de Estudos em Governança da Fipecafi-USP, "A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais".

Poucos foram os avanços, quando não houve retrocesso, na fotografia geral sobre controle e gerenciamento de riscos ao longo do último ano, em especial quando o foco é o Novo Mercado, espaço considerado o nível máximo de boas práticas no país. Houve melhorias significativas de 2008 para 2009, logo após a crise global e o episódio com derivativos. Mas em 2010, ano em que a crise se confirmou uma marolinha para o Brasil, o resultado deixou a desejar. Agora, os problemas encontrados no banco PanAmericano, do Grupo Silvio Santos, voltam a chacoalhar o universo das empresas abertas.

São diversos os números do levantamento - realizado com base no Formulário de Referência (FR), documento que passou a ser enviados pelas companhias abertas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) neste ano - que apontam a carência nessa área.

No Novo Mercado, o percentual de empresas com comitê de auditoria ficou praticamente estável em relação a 2009, saindo de 35% para 36,4%. A fatia de companhias que possuem auditoria interna caiu de 59,4% para 42,1% - e em apenas 15% dos casos ela se reporta diretamente ao comitê de auditoria ou ao conselho de administração. A proporção de empresas do segmento que separam o cargo de presidente do conselho do posto de presidente-executivo baixou significativos dez pontos, de 84% para 73,8%.

Sidney Ito, sócio da KPMG responsável pela área de governança, destaca que o país avançou muito nos últimos anos, mas que ainda existe muita lição de casa por fazer. A principal melhora foi de ambiente, uma vez que o grau de transparência das empresas aumentou por conta do novo documento exigido pela CVM. "Quem já tinha boas práticas adicionais ao regulamento, em geral, as manteve, mas algumas companhias que chegaram agora ao Novo Mercado ainda precisam melhorar."

Novidade do levantamento e, portanto, sem base comparativa é a constatação de que ao menos 17,8% das empresas do Novo Mercado informaram ter recebido comentários sobre deficiências em seus controles internos. Esse percentual foi considerado "elevado" pela pesquisa. Ele é mais de duas vezes superior ao percentual de empresas emissoras de ADR (recibos de ações listados na Bolsa de Nova York) 2 e 3 que divulgaram ter recebido sugestões e comentários nesse sentido, companhias que já se preocupam com essa questão pois atendem à lei americana Sarbanes-Oxley (SOX).

Ito destacou que, como é a primeira vez que se tem acesso a essa informação no Brasil, a expectativa é que sua divulgação melhore os resultados nos próximos anos. Para ele, embora o percentual possa não ser assombroso para um primeiro ano, há preocupação qualitativa, pois foram relatadas falhas graves na estrutura de tecnologia, na mensuração de contingências e até na qualidade dos profissionais internos de contabilidade.

"Os escândalos é que apontam onde os avanços são necessários. A SOX é produto das fraudes ocorridas nos Estados Unidos com a Enron e a WorldCom. É assim no mundo inteiro", ressalta Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Além disso, segundo ele, esses eventos mostram que governança não é "perfumaria", mas sim um conjunto de práticas necessárias. É comum que as melhorias em legislação, regulação e autorregulação ocorram justamente após episódios ruins.

Outra novidade que a pesquisa deste ano pode apontar por conta do FR é que 60% das empresas do Novo Mercado relataram ter uma política formal de gerenciamento de riscos de mercado, comparado a 42% das empresas do mercado tradicional da BM&FBovespa e a 75% das brasileiras detentoras de ADR 2 e 3. Essa é certamente uma herança deixada pelos problemas enfrentados por Sadia, Aracruz e outras empresas com derivativos.

Apesar de muitas empresas terem a política, é baixo o percentual das que possuem mecanismos que assegurem a implementação dessas regras internas: só 49,5% das companhias do Novo Mercado e 32% do segmento tradicional têm uma área dentro de sua estrutura visando o gerenciamento dos riscos, ante 82% das presentes na bolsa americana. Assim, nem todas as empresas com uma área de gestão de risco têm uma política que organize o trabalho e nem todas aquelas que criaram as regras possuem um grupo que as fiscalize, indicando a existência de brechas potenciais nessa gestão.

Mas nem sempre é a existência de brechas que explicam as fraudes. Os especialistas afirmam em coro que não há barreiras que segurem más intenções. Porém, Eliseu Martins, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários e professor da Fipecafi-USP, destaca a importância dos comitês de auditoria, com membros independentes à administração, e de uma auditoria interna de qualidade. "São essenciais, especialmente nos bancos", diz. "O sistema precisa ser fiscalizado de cima para baixo. E em bancos é tudo mais complexo, pois é tudo transação exclusivamente no papel, virtual. Não tem fazenda nem indústria para se visitar."

Não é só a governança que fica na berlinda em caso de escândalo corporativo. Quando há relação com controles internos e contabilidade, o assunto atinge em cheio também as auditorias, pois o trabalho de seus profissionais é alvo de questionamento. A despeito disso, o avanço na transparência dessas firmas ainda é pequeno. Elas não divulgam balanços e, em geral, protegem-se na confidencialidade do trabalho para não comentar episódios importantes. A KPMG, por exemplo, trabalhou na diligência contábil do PanAmericano para a Caixa Econômica Federal, que comprou participação minoritária no banco, e recentemente ganhou a licitação para auditar o balanço do Banco do Brasil por R$ 95 mil, valor que não cobre nem os custos do trabalho.


Fonte: Valor Econômico

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